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Biblioteca da Cidade

Resenhas críticas de obras que ajudam a pensar a cidade enquanto objeto de estudo multidisciplinar, passando por referências bibliográficas em filosofia, história, sociologia e urbanismo.

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História da arte como história da cidade - Giulio Carlo Argan

  • Foto do escritor: Amanda Freire
    Amanda Freire
  • 22 de out. de 2018
  • 3 min de leitura

Para introduzir esse texto sobre a obra de Argan, faz-se necessário falar sobre um método científico que pode parecer muito novo, mas remonta ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Trata-se da Fenomenologia. Este método questiona a concepção platônica de que o mundo real (dos sentidos) está separado do mundo ideal (das ideias, das essências incontestáveis através da primazia da razão).


A fenomenologia trata de como os fenômenos aparentam a mente, sendo eles objetos da consciência, ou seja, defende a primazia da experiência, da coisa como se apresenta a nós. Nesse sentido, é possível entender o mundo a partir da sua manifestação, e não só a partir do campo das ideias. Valoriza-se a observação dos fenômenos para se conhecer o mundo. Sendo assim , o espaço é fenomênico e circunstancial, e se revela no modo como cada um interpreta pelas experiências.


Giulio Argan (1909 - 1992) foi um historiador italiano da arte medieval e renascentista. Storia dell'arte come storia della città, foi publicada em Roma no ano de 1983 e tem como metodologia essa tal fenomenologia.


Talvez não haja exemplo melhor para entender a fenomenologia de Argan que o resgate do período renascentista no final da Idade Média, que culminou com o aparecimento do pensamento Humanista, ou seja, do sujeito como organizador do conhecimento, como racional. A ruptura com a escolástica (modelo monástico e científico da idade média que buscava conciliar a fé cristã com a razão) colocou os homens no centro do mundo em escala de importância. Há a valorização da arte, o engrandecimento do homem e das suas obras no mundo, da sua glória e do seu poder. Seria difícil pensar que a cidade assume esse papel e engrandece seus edifícios monumentais na era renascentista? Creio que não. As cidades viram um centro de poder, da arte e do homem em seu protagonismo ilimitado no mundo, influenciando o pensamento urbano moderno e a organização dos espaços da cidade, a exemplo dos modelos de ruas sinuosas para fazer as cidades parecerem maiores aos passantes.

Em Florença, a elite contrata projetos grandiosos para engrandecer a si mesmos! Arquitetos e artistas são levados à grande cidade ! Brunelleschi termina o Duomo, com sua enorme cúpula. Enormes praças com fontes e estátuas são edificadas. Florença abriga Leonardo da Vinci, Michelangelo e diversos outros artistas.

Veja que a cidade é vista aqui como Fenômeno da arte! A cidade é objeto e fenômeno da abstração humana. Mas o que é arte para Argan?


Ouso dizer que quando Argan anuncia a fenomenologia no seu estudo, ele dava um indício de que a arte não é mais centrada apenas na estética, e por isso não pode haver um conceito de arte: “Mesmo que dispuséssemos de um “conceito” da arte, ele não nos serviria como pedra de toque: os conceitos e os fatos não são entidades comparáveis” (ARGAN, 2005, p.21), ou seja, seria a experiência de abstração humana, interpretada pela experiência com a cidade, que revelaria a arte. Para ele, um mesmo objeto pode ser arte e não-arte, bastando para qualificá-lo ou desqualificá-lo como arte a intencionalidade ou a atitude consciente do artista ou, até, do espectador.


É nesse ponto que a cidade espelha o significado da época, e nasce a tese de que história das cidades se confundem com a história das artes, ou melhor ainda, a arte é uma “atividade tipicamente urbana, não apenas inerente, mas constitutiva da cidade” (ARGAN, 2005, p. 2). Até mesmo a “arte rural” define o urbano, por oposição.


Ademais, Argan não deixa de comentar a crise da cidade, e corrobora com a ideia Lefebvriana e de Castells de que trata-se da tentativa de passagem do produto de interesse individual ao produto de interesse coletivo, ou seja, aponta para a crise do capital.


Se há essa crise da cidade, pelo modelo econômico que as sustenta, me parece que há também uma crise de conceito, uma crise de tudo o que sustenta a ideia do homem moderno e da cidade moderna, como apontou Foucault. Talvez estejamos no ápice de uma ruptura epistemológica com o que é ser humano e tudo aquilo que sustenta a sociedade como os valores cristãos, o Estado, a família tradicional, a burguesia... E agora? Que modelo há de vir?


Vendo como a cidade pode ter diferentes conceitos, ao mesmo tempo que não é coisa alguma, começo a pensar que a cidade possa realmente ser, nas palavras do meu amigo Raiff Hugo, o desejo do homem de se tornar eterno. Ela revela nosso rito de passagem, nossa busca por uma ordem, pelo sentido, nossa ânsia por poder e a nossa vaidade.

Convido-os a ler “História da arte como história da cidade”. Boa viagem!


Bibliografia:

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

 
 
 

1 comentário


eliasncr
23 de ago. de 2022

Excelente texto e projeto; estou tentando o doutorado em urbanismo, já deixei nos favoritos.

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Amanda de Almeida

Graduada em Eng. Civil pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG. Mestranda em História/UFCG na área de Patrimônio Histórico e Cultura, Monumento e Memória. Apaixonada por livros, pela rebeldia, pela inovação, pelo espontâneo e pela (des)construção do saber.

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